SETEMBRO AMARELO: Falar sobre o suicídio envolve coragem

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De acordo com a OMS, Organização Mundial de Saúde, anualmente, um milhão de pessoas tiram a própria vida. Apesar do alarmante dado, falar sobre o suicídio ainda é considerado difícil e delicado. Por isso, há quatro anos a ABP, Associação Brasileira de Psiquiatria, e o CFM, Conselho Federal de Medicina, lançaram a campanha Setembro Amarelo. Que busca alertar e conscientizar as pessoas sobre a importância da prevenção.  

Para encerramos o Setembro Amarelo, convidamos para uma entrevista o jornalista e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Matheus Bertolini, que tem como temática de sua pesquisa o suicídio. Em seu trabalho, Matheus busca unir suicídio e informação, “dois temas ainda líquidos para nossa sociedade” em busca da prevenção. Confira todo o bate-papo!

A – Mesmo não conseguindo ter acesso a todos os dados sobre o suicídio, os poucos números que conseguirmos já são alarmantes. Apesar disso, o sofrimento mental ainda é uma patologia pouco discutida. No mundo, ainda são poucos os países que incluíram a prevenção ao suicídio como uma prioridade da saúde. E a mídia, muitas vezes responsável por nos trazer novos questionamentos, precisa ter muito cuidado ao abordar o tema. Neste cenário, qual a melhor maneira de buscarmos na discussão aberta um real combate ao suicídio?

M – Falar sobre o suicídio envolve coragem. Essa é sempre minha fala de abertura, afinal não sou psicólogo ou um profissional especializado na saúde para tratar com uma especialidade clínica esse assunto. Costumo dizer que justamente por isso, acho que sou duplamente corajoso, uma vez que estou falando de dois temas ainda líquidos para nossa sociedade: suicídio e informação. Em suma não costumam-se relacionar essas duas palavras, mas é aí que eu acredito que inicia-se um espaço para a prevenção. Quando começo a refletir sobre o suicídio eu tento imaginar historicamente o que o ato representa para a sociedade ao ponto que nos encontramos atualmente. O suicídio sempre existiu e teve ligação a concepção humana de vida e morte. Ele não emerge na sociedade como o descobrimento da AIDS, ou a cura de alguma doença, ou o surgimento da televisão, ou qualquer marco histórico. O suicídio esteve em todas as eras e gerações, e pouco se falou, pouco se aprendeu e pouco buscou-se aprender coletivamente sobre. Em 2018 os números continuam crescendo, e minha concepção enquanto a discussão que a pergunta levanta, não é exatamente um combate ao suicídio, mas uma aliança para a vida. Eu creio que prevenir de fato é a solução, afinal de acordo com o CVV, 90% dos casos podem ser prevenidos. Começa-se a prevenção com a vida das pessoas que estão submetidas ao sofrimento, desamparo, desespero, e tantos outros males. Mas como? Outra pergunta que me cerca. A informação é um propulsor para o bem e para o mal, cabe-nos a conscientização da família, amigos, da sociedade enquanto um todo coletivo, para que tenhamos claramente que é um assunto que recheia-se por mitos, mas que pouco sabe-se das verdades e da propagação correta do assunto. Falar sobre câncer antigamente era verbalizar um mal que não deveria ser pronunciada. O suicídio ainda continua neste espectro. Falar é a melhor solução, e tal frase é maravilhosamente ambígua. “Falar” no sentido de levar informações corretas para as pessoas e “falar” no sentido de pedir ajuda diante daquilo que possa estar te afligindo. Então “combater” o suicídio é valorizar a vida daquelas pessoas que por algum motivo sentem-se desvalorizadas. Os dados nos dão amparos estatísticos, mas cada caso é um caso, assim como cada pedido de ajuda também é, cabe-nos portanto interpretar os sinais assim como buscamos interpretar os números, mas reconhecer que o ser humano não é constituído por uma ciência exata, e sim por uma complexidade que completa-se em sua importância existencial.

A – Segundos os dados do Ministério da Saúde, de 2005 a 2011 os índices de suicídio aumentaram em 12% no Brasil. Outros dados demonstram que esses números continuam a subir, a ponto do país ser considerado o oitavo com mais suicídios no mundo. A quais fatores você atribui este crescimento?

M – O suicídio é multifatorial, o que quer dizer que existem inúmeras “causas” que somadas concretizam o ato. Seria muita pretensão minha tentar elencar fatores que compõem os reais causadores do suicídio no Brasil, ao invés disso, prefiro que possamos refletir sobre os sentimentos que também desencadeiam tal fatalidade. Gosto muito de uma autora chamada Karina Fukumitsu, que me fez refletir sobre a sociedade e os sentimentos. Ela disse uma vez que não temos espaços em nossa sociedade para os sentimentos, e de fato não temos. Essa fala dela me fez refletir ao que somos socialmente ensinados no que sentir pelo outro e por si mesmo. E é importante ressaltar que o suicídio é como a ponta de um iceberg, é a parte visível e que está diante dos nossos olhos, como uma materialização de alguma emoção. Porém aquela parte imersa, que é muito maior, representa os sentimentos, os sofrimentos, dores e angústias que precisam ser escondidos e não são tão perceptíveis aos pedidos de ajuda e a própria empatia, por exemplo. Então o que eu reflito sobre os fatores que desencadeiam o ato do suicídio é um olhar para nossa sociedade e como ela constrói a sociabilidade do ser humano consigo mesmo e potencializa, em muito dos casos, a depressão, desesperança, desamparo e o desespero.

A – Recentemente uma série adolescente da Netflix abordou o tema de uma forma polêmica. Enquanto para alguns o enredo trata sobre o suicídio da forma ideal para os jovens. Para outros, algumas cenas foram inapropriadas e fortes, principalmente o estupro vivido por duas personagens, que poderiam servir de gatilho emocional, e a cena mostrada sem cortes do suicídio da personagem principal. Como você vislumbra a melhor maneira do tema ser abordado pela mídia e pela comunicação?

M – Eu tenho batido na tecla que o suicídio é um ato de comunicação por si só; porém a comunicação não precisa ser um ato de suicídio. Parece uma mudança pouca nessa frase, mas a grande questão da comunicação é um apelo ainda ao “terrorismo”. Educar pela informação não precisa ser um ato de medo, eu não concordo com imagens que romantizam o tema e explicitam aquilo que pode desencadear um efeito de repetição. Porém eu também não concordo que devemos nos inspirar na campanha contra o tabagismo que coloca a dor da pessoa como um exemplo a não ser seguido. Ensinar sobre a prevenção do suicídio é dar valor para a vida e não espaço para a morte. A série em questão é uma distopia muito líquida se pensarmos o potencial que a mesma contribuiu. Não atribuo culpa e tampouco, bato palmas para ela, porém é inevitável pensarmos que ela tem problemas nos conteúdos exibidos, porém trouxe em voga a temática para espaços que careciam disso. Eu acredito que ensinar corretamente sobre um assunto tão complexo quanto esse é mergulhar-se em muitas variáveis, pois não é de um dia para a noite que os mitos serão sanados, que o tema compreendido e que será reduzido as taxas. Falar sobre é atribuir uma leitura crítica para o que de fato é uma conscientização e não gatilho. É conseguir produzir conteúdos diante a internet (meio plural e de fácil acesso para todos) com afinco de ajudar e abraçar aquela pessoa que pode estar “gritando por ajuda em silêncio”. É informar sobre competência sociais, culturais, educacionais e midiáticas. Por fim é promover humanidade e vida, ao invés do ódio e do sensacionalismo.

A – A saúde mental já é um tema que causa preocupação dentro do ambiente acadêmico. A ansiedade, o medo, a cobrança e até o sentimento de solidão são alguns dos fatores que levam alunos a vivenciar a depressão. Estima-se que 80% dos estudantes de graduação já passaram por algum problema de cunho emocional. Que medidas a universidade poderia tomar para se sensibilizar nesta causa e auxiliar na diminuição destes números? Você teria conhecimento de alguma medida que já foi implementada e trouxe resultados?

M – Infelizmente creio que tenho uma notícia ruim, todos esses dados que você colocou nas perguntas, de fato devem ser maiores na realidade. As estatísticas sobre o suicídio não são equivalentes à prática, muito se omite sobre e até mesmo o desconhecimento é um fator dessa coleta falha. As medidas das universidades não diferem-se drasticamente da sociedade no geral, mas em suma, o ambiente de aprendizado precisa fornecer aparatos de uma fruição de ensinamento e vida para os alunos. Em uma linha de pensamento, as universidades precisam ouvir, acolher e encaminhar, de tal forma que reconheçam os gatilhos e riscos que o próprio espaço acadêmico proporciona em sua particularidade. Como, por exemplo, a cobrança por desempenho, a entrada no mercado de trabalho, mudança de casa e as expectativas que não concretizam-se. Nessa ideologia de prevenção precisamos de equipes e profissionais treinados e munidos do conhecimento correto do assunto, canais de comunicação sobre o tema e com abertura para a busca de ajuda, pares (uma pessoa que esteja disposta a ser um par para o combate ao sofrimento: professor, aluno, psicólogo, etc) que deem apoio para não estigmatizar o pedido de ajuda e dos fatores de risco e, por fim, é preciso “começar”. Falo isso de iniciar, pois é de fato muito burocrático, muito complexo, mas precisamos dar início por mais difícil que possa parecer. Existem dois bons exemplos que posso dar a respeito das universidades sobre isso, um vem da minha própria instituição de ensino (Universidade Federal de Juiz de Fora) que tem um grupo de encontro chamado “Fora de Casa”, o intuito desse grupo é trabalhar os fatores de gatilho e possibilitar um lugar de fala para os alunos. Ele é comandado por profissionais capacitados, visam amenizar os anseios dos estudantes que não são da cidade e tantos outros fatores que podem somar a isso, como ansiedade, o espaço das salas de aula e até mesmo promover a empatia entre os atendidos e os mesmos fornecerem ajudas entre si. Outro exemplo que tenho, algo mais complexo e que atenderia essa ideia dos pares, é um projeto de Oxford chamado Kage Keeper. A centralidade dessa iniciativa é capacitar pessoas a terem uma escuta crítica aos anseios dos alunos e conseguirem pensar em alternativas, suportes e a própria companhia física para uma pessoa que apresenta algum sofrimento. Em ambos os casos, o importante é ter um lugar para procurar ajuda, isso em suma aplica-se em toda a sociedade, mas deve ser entendida no ambiente universitário justamente por particularidades desse espaço.

A – Para os trabalhadores, o sofrimento emocional também é uma realidade: o assédio moral, o acúmulo de função e a pressão profissional são fatores que desencadeiam o sofrimento mental nos funcionários. Se tratando dos trabalhadores das universidades, é possível que possamos mensurar esses dados de suicídio dentro das IFES?

M – O meu direcionamento de estudo acaba restringindo os jovens justamente pela amplitude que a temática de fato é. Porém dentro das instituições de ensino deve-se preocupar também com casos que não sejam exclusivamente dos alunos, tendo em vista que todos estão propensos para isso. Em uma maior perspectiva creio que precisamos considerar (também) um fator de posvenção para nossa sociedade. Que resume-se em um apoio dado aos sobreviventes (pessoas que sentem-se atingidas pelo suicídio de alguém). Os objetivos seriam trazer alívio do enlutamento, prevenir reações e complicações do luto, minimizar o risco de repetição e valorizar a vida e o enfrentamento desses sobreviventes.

A – Por fim, para você, qual o melhor caminho para prevenção?

M – Acho que em toda minha fala durante o setembro amarelo foquei muito em algo que já comentei anteriormente: precisamos falar sobre a vida. O desenvolvimento de habilidades é fundamental para trilharmos esse caminho da prevenção. São competências humanas que precisam catalisar a vida em detrimento de sua importância e valor de existência. Estarmos munidos de recursos sociais, pessoais, emocionais e midiáticos eleva-nos para um patamar de uma ajuda qualificada para a pessoa que esteja enfrentando algum sofrimento ou estado crítico de sua vida. Preciso ressaltar que o setembro ganha a tonalidade amarela para direcionar os nossos olhares para essa problemática, mas é um diálogo diário, precisamos falar corretamente sobre o suicídio e pedir ajuda quando necessário. Os espaços de falas e escutas estão inseridos na contemporaneidade em um momento extra. “Extra”, pois não são mais delimitados pela sala de aula ou pelo lar que reside. Vivemos em uma sociedade do prefixo “inter”, que significa a ligação e rompimento de muitas barreiras que ainda irão cair e proporcionar um espaço mais plural. Gosto de fechar minha fala com essa ideia de tudo estar interligado em nossa existência: já possuímos interrelações, conteúdos como o suicídio que são interdisciplinares, precisamos pensar por um viés de interfaces e acredito que a solução então seria uma “interprevenção”, pois é um valor de coletividade, vozes, pluralidade para um único olhar e objetivo: dar valor à vida para aqueles que sentem-se desvalorizados. Que falemos, escutemos,  busquemos meios para a vida e tenhamos a esperança de acrescentamos muitas vírgulas em uma história, ao invés de um ponto final para ela.