Na última quarta, 8 de outubro, o site da ATENS-UFV Seção Sindical publicou uma homenagem do jornalista Elson Rezende (associado da ATENS-UFV e ex-presidente da I diretoria da ATENS Nacional) a José Paulo Martins, Técnico de Nível Superior da Universidade de Viçosa, que publicamos na íntegra.
“José Paulo Martins faleceu em 30 de setembro de 2013, aos 61 anos. Há pouco mais de um ano tinha se aposentado pela Universidade Federal de Viçosa, onde por mais de 30 anos exerceu como jornalista e assessor de comunicação. Era da cidade de Tiros, na região do Triângulo Mineiro, e quis ser enterrado lá. Deixou vúva Nívea, os filhos Otávio, Gustavo e Lígia e a neta Fabrine, seu xodó.
Foi um bom jornalista, profissional e ético, que muito contribuiu para a divulgação da UFV. Foi também escritor, publicando “Safadeza Consentida” (2001) e também o infanto-juvenil “O Enigma da Gruta do Eco” (2005), além de contos e poemas esparsos. Editou, com o grande amigo Xico Simonini, também em Viçosa o jornal Muzungu, e foi colaborador de diversas publicações da região, e correspondente do jornal Panorama, editado em Juiz de Fora pelo jornalista Fritz Utzeri e de vida curta.
Praticava também a fotografia, e tinha a intenção de publicar um livro que recolhesse suas fotos sobre flores e plantas do campus da universidade viçosense. Chegou a fazer uma exposição dessas fotos em março de 2012 em Muriaé, cidade próxima a Viçosa.
Zé Paulo, que assim era chamado, estava atento às coisas do mundo, não somente por requisitos da profissão, mas por necessidade vital de estar no mundo. Por isso, até acompanhava, cotidianamente, as estrepulias do mundo deportivo, particularmente do seu Atlético do coração. Era um bom comentarista deportivo, requisitado pelas rádios locais.
O Zé era homem de fé. Chegou a ser seminarista em Petrópolis, quando passou pelo curso de Filosofia/Teologia, antes de aportar a Belo Horizonte para se formar em jornalismo na UFMG. Em Petrópolis começou a construir uma base de cultura humanista que, entre outras riquezas, lhe deixou o latim como lastro para dominar a língua portuguesa. Foi membro da Academia de Letras de Viçosa.
Pouco antes de se aposentar, em 2011 recebeu a medalha “José Valentino da Cruz”, outorgada a funcionários técnicos administrativos da UFV que completam 30 anos na instituição.
Na ocasião, falou a nome dos homenageados. “A sensação de completude não tem sido, ao longo de minha vida, o paradigma de minhas andanças por aí. Os horizontes que deparei sempre foram umbrais para novos olhares, desafio para indagações e início de novos passos”, disse em seu discurso, para em seguida enfatizar sua origem sertaneja: “sempre tendo como paradigma a expressão da cultura sertaneja da banda ocidental do São Francisco, pedaço mágico destas Gerais que fascinam e enriquecem o viver desse povinho especial. Tão especial que tem demarcado minha existência e insistências”. Terminou o discurso lendo o poema “Minha Rua”, escrito em outubro de 1990.
Zé Paulo deixa muitos amigos. Tinha o dom de gentes, era atencioso com todo mundo e de imediato se fazia amigo de quem começasse a lidar com ele. Parecia que nunca se alterava, guardando para si os dissabores que o incomodassem.
Era um homem culto, mas não ostentoso ou pedante. Tinha simplicidade em lidar com situações e pessoas, e talvez isso confundisse as gentes, principalmente autoridades, que muitas vezes não lhe davam o reconhecimento merecido.
Tinha suas vaidades, ele mesmo se dizia vaidoso, mas sem estardalhaço. Creio que ingenuamente esperou mais reconhecimento quando se aposentou, e esse desapontamento, além de outros problemas, levaram nos últimos tempos a que exagerasse na bebida que não podia, o que gerou também alguns dos disturbios que o levaram ao hospital por longo período. A insensibilidade institucional, assim, foi um dos ingredientes que o levaram prematuramente.
Diabético, chegou alguma vez a me confidenciar que talvez tivesse pela frente só uns dez anos de vida. Antes fosse assim, porque se foi antes ainda desse curto prazo que se dava! Mas pelo que apontou no documento que deixou no seu computador, “Legado”, uma espécie de testamento, datado de outubro de 2003, talvez contasse o tempo a partir dessa data, e aí, infelizmente, foi rigoroso no cálculo!
Teve algum destaque nas lides literárias. Obteve a quinta colocação no Concurso de Contos de Natal da Itaú Seguradora, em 1974, com o conto “Viagem”; venceu o V Concurso de Contos das Faculdades Integradas de Ourinhos, com “A Casa Branca”, e menção honrosa de sua sétima edição, com “Nandu Poracé”; teve o conto “Cavu” incluído em antologia publicada pela Academia de Letras de Viçosa, e os poemas “Sísifo” e “Casa” em antologia da Editora UFV; em 2009 ganhou concurso de literatura promovido pela Editora UFV, na categoria conto, com “O Fazedor de Papagaios”. “Safadeza Consentida” é ambientada na região da terra natal do autor, Tiros. O relato se passa nos tempos do regime militar no Brasil, é uma reflexão sobre o que passou no país naquela época escura.
Em 1999 conquistou a primeira colocação no Concurso Nacional de Monografias 500 Anos, promovido pelo Confea, com o trabalho “Nova Carta”.
José Paulo Martins foi uma figura singular, um sertanejo observador do mundo e que sonhou.
Deixa um legado
Os filhos do Zé Paulo encontraram um documento no computador do pai com o título “Legado”, de 18 de outubro de 2003, um verdadeiro testamento, onde meticulosamente trata de seus sonhos, de obra que pensava escrever e organizava, alguma já praticamente pronta, detalhando temáticas e os títulos. Numa parte registra alguns planos de um empreendedor, de possíveis construções para explorar o turismo em Tiros e região, com sugestões interessantes no campo do comércio de artesanato e de algumas potencialidades da região.
Depois, dispõe de seu expólio, até indicando que filho ficaria com a camisa do Galo e que sua coleção de selos fosse deixada a algum neto que tivesse interesse em continuá-la. E que deveria ser enterrado com o terno de seu casamento e formatura!
No início do texto como que traça uma visão geral de sua vida e, como bom sertanejo, anota que desde criança tinha ouvido falar a respeito de beija-flores mensa- geiros, e indica que tinha sido visitado por duas vezes por beija-flores quando limpava o terreiro onde vivia e escreve: “Sendo ou não levado a sério, o beija-flor é mensageiro de uma realidade que não é possível negligenciar: é necessário deixar alguma definição, para facilitar as coisas para quem fica”.
E aí começa as indicações, “para facilitar as coisas”. Primeiro trata dos sonhos, quando se refere principalmente a seu sonho (que de alguma maneira não ficou só em sonho) de ser escritor reconhecido, e relata o projeto de algumas obras e indicação de outras já em gestação.
Tudo isso significou que pelo menos nos últimos dez anos, mansamente, esperasse a “chegada do dia do pagamento”.
E seus amigos queríamos é que acumulasse uma bela de uma dívida.”